Buch Tradição e modernidade no móvel brasileiro

Tradição e modernidade no móvel brasileiro, de Maria Cecilia Loschiavo dos Santos. São Paulo: Olhares, 2024
Tradição e modernidade no móvel brasileiro, de Maria Cecilia Loschiavo dos Santos. São Paulo: Olhares, 2024

Sobre o livro: Desde a publicação do livro Móvel moderno no Brasil, em 1994, fruto de sua dissertação de mestrado, Cecilia Loschiavo tornou-se uma referência central para o pensamento sobre o patrimônio material brasileiro que se constituiu com a atividade de design no período, erguendo as bases históricas e teóricas para qualificar o processo de revalorização daquelas obras-produtos ocorrido a partir dos anos 2000. Sua investigação sobre o tema se iniciou ainda na segunda metade dos anos 1970, momento em que essa produção modernizante da forma de viver do brasileiro passava por um intenso período de ostracismo e muitos de seus protagonistas, com quem a autora teve a oportunidade de conviver proximamente, tinham seus ofícios interrompidos ou repensados. O conteúdo deste novo livro é o capítulo seguinte da profícua trajetória acadêmica de Cecilia – seu doutorado, nunca publicado na íntegra. Nela, as trajetórias de Sergio Rodrigues, Joaquim Tenreiro, Celso Martinez Carrera e José Zanine Caldas são analisadas para amparar sua discussão central: o encontro entre tradição e modernidade no Brasil semi-industrializado da primeira metade do século XX e sua contribuição para a identidade criativa do País. O livro conta com comentário de Claudia Moreira Salles, prefácios de seus colegas no debate internacional do design, da estética e da cultura material, Bazon Brock, Jacques Leenhardt e Francisco Providência. E traz ainda ilustrações assinadas também por Francisco Providência.

"Através de uma extensa pesquisa sobre a formação da mão de obra desde os tempos da colônia, características do mercado, fatores econômicos e sociais como a imigração, Maria Cecilia contextualiza a obra de quatro expoentes da produção moveleira no Brasil. Os percursos de Carrera, Tenreiro, Zanine e Sergio Rodrigues ilustram a imensa criatividade, improvisação e resiliência num cenário bem diverso do europeu do mesmo período. Essa herança modernista influenciou os designers formados a partir da década de 1960, quando surgiram os primeiros cursos de design. A atual produção de móveis continua dando ênfase ao uso da madeira e ao esmero da mão de obra artesanal, muitas vezes em peças executadas pelos próprios designers. Mas o que realmente os modernos legaram foi uma grande liberdade de criação e experimentação, mesmo para aqueles que tiveram uma formação mais acadêmica e racionalista. Anda-se onde há espaço, e este se faz com a vontade de criar."
Claudia Moreira Salles

"Como é estranho que seja apenas em nossas memórias que conseguimos manter viva a ideia de uma visão de modernidade contida no design. Lembrando, contudo, que o futuro não é uma homenagem ao passado, mas sim a ativação de uma promessa aparentemente irredimível."
Bazon Brock

"A tese de Maria Cecilia Loschiavo explica as condições históricas e materiais nas quais a evolução modernista da indústria moveleira alcançou sua transformação no espaço de poucas gerações, graças, em particular, a designers eminentes como Celso Martinez Carrera e Joaquim Tenreiro. Ela mostra como a simplificação da forma e o estabelecimento de estruturas confiáveis de industrialização se tornaram as bases sobre as quais foram construídos novos critérios estéticos e funcionais."
Jacques Leenhardt

"Antes da teoria e depois da história, Cecilia propõe uma filosofia do design (brasileiro) que nos permita perceber com imparcialidade e subjetivação o fenômeno do design no Brasil."
Francisco Providência

Sobre a autora: Maria Cecilia Loschiavo dos Santos é filósofa e professora titular de Design na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado em Estética pela Universidade de São Paulo, concluídos nos anos de 1975 e 1993. É curadora e autora de diversos livros, entre eles Móvel moderno no Brasil, Jorge Zalszupin - design moderno no Brasil e José Zanine Caldas, pela Olhares. Tem forte engajamento com questões de design e responsabilidade social, é roteirista do filme documentário À margem da imagem, que trata de temas como exclusão social, desemprego, alcoolismo, insanidade, religiosidade, espaços públicos contemporâneos, degradação urbana, identidade e cidadania. 

Erschienen
01.07.2024

Verlag
Olhares

Erscheinungsort
São Paulo, Brasilien

ISBN
9786560920156

Umfang
326 S.

Einband
Broschur

Seite 6-7 im Original

Brasil: uma visão de modernidade

Como é estranho que seja apenas em nossas memórias que conseguimos manter viva a ideia de uma visão de modernidade contida no design. Lembrando, contudo, que o futuro não é uma homenagem ao passado, mas sim a ativação de uma promessa aparentemente irredimivel. O programa de modernização parecia prometer que a unidade da humanidade poderia ser concretizada mediante o estabelecimento de padrões uniformes de design. Desde o inicio do século XX, o design refere-se à capacidade e intenção de mudar o comportamento das pessoas por meio de seus objetos. Enquanto os artistas representavam a diversidade da existência humana e das construções do mundo, os designers tentavam unificar a diversidade historicamente arbitrária sob a lógica da produção industrial: se todas as pessoas de todas as geografias, de todas as zonas climáticas, de todas as identidades culturais organizassem suas vidas com os mesmos objetos de design, a esperança de unidade seria realmente justificada pelo compromisso com a racionalidade.

No entanto, a racionalidade por si só não é suficiente, como mostra a história. Requer orientação pela razão, ou seja, pela espiritualidade. Esperava-se que a espiritualidade no design viesse de identidades culturais regionais. Portanto, havia padrões universais de produção industrial, mas marcados pelas espiritualidades amarela (chinesa), vermelha (hindu), verde (maometana), negra (africana), branca (europeia) e azul (sul-americana). Com a apropriação cultural e a marcação dos padrões universais de produção e consumo, o sonho da modernidade como contribuição para a unidade da humanidade parecia ter se despedaçado. A diversidade das modernidades locais tornouse real e, com ela, a modernidade em si parecia ter chegado ao fim.

Agora, surge uma segunda abordagem ao conceito de “unidade internacional da modernidade" no design: a tarefa de conceber produtos de tal forma que possam ser usados ou operados intuitivamente sem ter de se compreender sua lógica funcional. A compulsão capitalista para uma especialização cada vez maior levou a uma situação em que as pessoas, mesmo sendo especializadas com elevado desempenho, precisam lidar com um mundo que não compreendem, exceto uma parte muito pequena dele, nomeadamente a própria área de especialização. Ter que viver e agir em um mundo que você não entende significa ser obrigado a confiar na comunicação. O design mais moderno oferece orientação no mundo através da comunicação sem compreensão – com o efeito de que o design é atualmente mais importante do que nos tempos da "utopia-modernidade" antes mencionada. A republicação de um conceito de modernidade no design que vigora há 120 anos oferece não só a oportunidade de refletir sobre a diferença entre design utópico e design comunicativo, mas também de responder à questão de saber se o mundo de hoje deveria colocar mais ênfase na compreensão do que na comunicação, para que, afinal, um futuro para a humanidade se torne concebível.

Enfáticas saudações à Dra. Cecilia Loschiavo por ocasião da republicação de sua tese de doutorado, importante contribuição para compreendermos a identidade criativa do design brasileiro.